segunda-feira, 18 de abril de 2011

CULTURA E CIDADE: UM OLHAR ETNOGRAFICO DA CIDADE DE PICOS. – PATRIMONIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL.

                                                                                                                 Nilvon Batista (UFPI)



A preservação do patrimônio cultural é uma preocupação cada vez mais presente em diversas áreas do conhecimento. Dentro desta discussão, ressalta-se a importância do estudo e preservação do patrimônio urbano-arquitetônico, pois se entende que este representa a dimensão física para a salvaguarda da memória de uma sociedade. O município de picos localiza-se no centro-sul do Piauí, a 302 km da capital Teresina. Historicamente, Picos tem uma tradição no comercio do Piauí. Quando no século XVII a família do português Borges Marinho chegou à região  para criar gado e cultivar o vale de terras férteis do Guaribas, fundou no local onde hoje é o centro de picos uma fazenda onde dentro de pouco tempo se transformou em um grande centro comercial da região. As construções que suplantaram os tempos são  reservas de memória e fontes epistemológica  para o entendimento da formação cultural de uma sociedade. Entretanto, verifica-se atualmente uma desvalorização e degradação do patrimônio edificado no centro  da cidade. Neste sentindo, o objetivo deste trabalho é fazer um levantamento do patrimônio cultural material e imaterial que possa resgatar a memória de Picos, tomando-se como procedimento metodológico a pesquisa de campo antropológica e inventário edilício do patrimônio cultural material, ainda existente, e o imaterial - lesado pelos costumes globalizados e massificados da mídia.

PATRIMÔNIO CULTURAL.
O conceito de patrimônio cultural é o entendimento que se tem de monumentos históricos que faz lembrar acontecimentos relevantes dentro de um contexto local. No site da internet wikipédia encontramos o seguinte:
patrimônio cultural é o conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devam ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo. O património é a nossa herança do passado, com que vivemos hoje, e que passamos às gerações vindouras. Do património cultural material fazem parte bens imóveis tais como castelos, igrejas, casas, praças, conjuntos urbanos, e ainda locais dotados de expressivo valor para a história, a arqueologia, a paleontologia e a ciência em geral. Nos bens móveis incluem-se, por exemplo, pinturas, esculturas e artesanato [...](F:\Património_cultural.htm)
Em que pese sua importancia podemos então dizer que os monumentos são símbolos de cultural. Dessa forma, o patrimonio cultural é essencial na reconstrução da memória, ja que para reconstituir o passado a objetividade dos documentos não é por si só satisfatória, já que não podemos confiar plenamente nessa objetividade, uma vez entendido que os documentos tambem são manipuláveis ou insuficientes. Será necessário recorrer a outros fontes como a memória,o estudo do cotidiano, dos costumes, das artes etc. Todavia, a memória é limitada, não consegue recuperar os acontecimentos em toda a sua dimenção o que torna as   informações fragmentadas:

“Halbwachs contesta absolutamente que haja uma conservação das imagens na mente. Nosso conhecimento do passado não é conservado, mas reconstruido, a memoria não é uma operação mecânica, e sim função simbólica. Assim, a lembrança depende da possibilidade de possuirmos ideias gerais, sem as quais não teriamos nenhum passado pessoal.”(Jean STOETZEL.apud                                                                         MELLO. p.48)

Em Casa-Grande e Senzala, Gilberto Freyre faz uma analise antropológica da formação social do Brasil onde as edificações coloniais, que dão nome a obra, é apresentada como um símbolo de poder e não poder. Daí pode-se perceber a importância das edificações no estudo não somente do ponto de vista histórico, mas também antropológico. Podemos entender essas edificações como patrimônio cultural material, pois são lugares de memória. Esses lugares provocam um insight nas pessoas que ali viveram ou tiveram algum contato por meio de visitas ou relatos de antepassados trazendo a tona às informações que estavam ali repousando e agora servirá de dados para a interpretação da cultura:

“A história social da casa-grande é a história íntima de quase todo brasileiro:da sua vida doméstica, conjugal, sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo; da sua vida de menino; do seu cristianismo reduzido a religião de família e influenciado pelas crendices da senzala.[...] O arquiteto Lucio costa diante das casas velhas de Sabará,são João Del Rei, ouro preto, Mariana, das velhas casas grandes de  Minas, foi a impressão que teve: ‘agente como que se encontra... e se lembra de  coisas que a gente nunca soube, mas que estavam lá dentro de nos; não sei – proust                                                                                                                                                                                                                                                                     devia explicar isso direito’.” (FREYRE,p.44).

Da mesma forma se dar com o patrimônio imaterial, o que antes era uma brincadeira, uma diversão, um jeito de cozinhar, rezar, trabalhar que se tornou popular e foi repassada através das gerações se apresenta hoje como uma manifestação simbólica da cultura, que através da institucionalização se torna um personagem importante dentro desse processo de entendimento de uma cultura. No site da internet encontramos o seguinte conceito para patrimônio cultural imaterial:

“ é uma concepção de patrimônio cultural que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras. São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições” (F:\Património_Cultural_Imaterial.htm).

A base de uma análise antropológica de uma sociedade é a interpretação da cultura, essa se bem sucedida permitirá uma aproximação real do objeto pesquisado, ou seja, o que de fato faz parte de uma cultura. Uma interpretação equivocada comprometerá o sucesso da pesquisa, o etnógrafo tem como objetivo isolar o aparente do real, as coisas que estão interferindo no surgimento do elemento verdadeiramente cultural. Entrar dentro desse emaranhado, levantar dados, observar, deduzir, intuir são tarefas do etnógrafo (GEERTZ).
O método antropológico implica em uma incursão ao campo empírico, de modo que o pesquisado possa se aproximar o máximo  possivel  do seu objeto de estudo e não se prenda a dogmas teóricos que possam gerar ambiguidades  na pesquisa antropológica.(LAPLANTINE). Isso não quer dizer que deva-se abandonar a pesquisa bibliográfica, pelo contrário, toda pesquisa deve começar por aí. O pesquisador deve ir a campo com o máximo de informação teórica  sobre o assunto de sua pesquisa.”Sua pesquisa começa muito antes de partir para o campo. Principia nas bibliotecas e nas livrarias.”(MELLO p.75)
A seguir apresentamos a nossa pesquisa etnográfica sobre os patrimônios culturais de Picos, tendo como parâmetro referencial  o método antropológico de pesquisa.



PATRIMONIO CULTURAL MATERIAL DE PICOS.

1.Igreja do Sagrado Coração de Jesus.
Localizada no inicio da Avenida Getúlio Vargas. Foi a primeira igreja construída em Picos, no principio era uma capela dedicada a São José, construída pelos vaqueiros que lhe deram o nome de São José das Botas, picos nessa época ainda era povoado. Com o crescente número de fieis a igreja foi reformada e passou a chamar-se de Sagrado Coração de Jesus isso devido ao grande número de devotos que aumentava a cada festividade. Sobre a criação da igreja encontramos o seguinte depoimento de D.Miriam Lélis1 no livro Acervos Histórico:2 “De 1827 a 1830 foi a construção da capela de são José de Botas. Os habitantes pediram a imagem de são José com vestimentas de vaqueiro devido a criação de gado naquela época na região.”
A construção em estilo maneirista3 com alguns elementos do rococó4  permanece fiel a suas
características originais. Bem no inicio da avenida, onde se erguem prédios modernos e o intenso trânsito faz-se apregoar a vida globalizada, a igrejinha resiste ao tempo como uma representação da cultura  picoense.

2. Catedral de Nossa Senhora dos Remédios.
A igreja foi construída em 1871 pelo padre cearense, conhecido na região como frei Ibiapina. No entanto foi demolida em 1948 para construir uma nova igreja. Esse projeto era de um grupo de frades alemão, que não tinha originalmente a intenção de demolir e sim de construir uma outra igreja. .Contudo, antes de iniciar a construção eles foram transferidos.
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1. Atual presidente do apostolado da oração da diocese de Picos – pi.
2. Acervos históricos:experiências no levantamento de acervos documentais na região de Picos -  É  
uma antologia de trabalhos dos alunos do I período de História da UFPI-CAMPUS de Picos.organizado pela professora  Ana Paula Cantelli e Rodrigues Gerolineto.
3.A arquitetura maneirista dá prioridade à construção de igrejas de plano longitudinal, com espaços mais longos do que largos, com a cúpula principal sobre o transepto, deixando de lado as de plano centralizado, típicas do renascimento clássico. No entanto, pode-se dizer que as verdadeiras mudanças que este novo estilo introduz refletem-se não somente na construção em si, mas também na distribuição da luz e na decoração
4. A arquitetura rococó é marcada pela sensibilidade, percebida na distribuição dos ambientes interiores, destinados a valorizar um modo de vida individual e caprichoso. Essa manifestação adquiriu importância principalmente no sul da Alemanha e na França. Suas principais características são uma exagerada tendência para a decoração carregada, tanto nas fachadas quanto nos interiores. As cúpulas das igrejas, menores que as das barrocas, multiplicam-se.
O projeto foi continuado pelo Pe. Madeira que decidiu demolir e construir a nova igreja no mesmo local, com total apoio da população que contribuiu com donativos e com o próprio trabalho para a nova edificação (DUARTE). Não houve nenhuma reação contrária à
demolição, uma atitude de passividade já esperada da população da época obediente aos preceitos religiosos. A nova igreja foi construída em estilo neogótico5 absolutamente oposta ao estilo maneirista da  anterior que privilegiava  o espaço horizontal  sobre a altura. A nova edificação é uma construção imponente que se faz notar pela “verticalidade da estrutura” (DUARTE). A beleza estética da igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios foi reconhecida recentemente, no ano de 2007, quando foi indicada para a escolha das sete maravilhas do estado do Piauí.

3.Mercado Público Municipal.
Localizado no centro da cidade, o mercado público municipal foi construído em 1924 para atender as necessidades de um comércio preponderante na região, ao longo desse tempo o prédio do mercado passou por várias reformas na estrutura interna com a finalidade de
adaptar-se as exigências de cada tempo. A fachada externa da edificação foi preservada no estilo original. A conservação do prédio assim é importante para a memória da cidade, pois constitui uma representação material do passado dentro de um espaço onde os efeitos deletérios ao patrimônio cultural edificado se apresentam mais acentuado.
 Esse foi durante muito tempo o principal local de encontro dos habitantes citadinos e interioranos. “Num mercado assim é onde se encontra os olhares e as figuras mais poéticas” (Lari Pereira). Sobre o Mercado Municipal de Picos o historiador Rodrigo Gerolineto, em entrevista, faz o seguinte comentário:

“O mercado municipal e suas imediações são meus locais preferidos nesta cidade. Aos sábados então nem se fala, com a chegada das pessoas do interior, como se diz por aqui, para vender seus produtos nas ruas adjacentes. Imensa riqueza econômica e cultural vem do campo. A cidade não pode prescindir do campo, o que deve ser dignificado e mantido em terra sua. Ainda vou fotografar ou escrever sobre isso”     ( Rodrigo Gerolineto Fonseca,historiador.)
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5.Neogótico ou revivalismo gótico é um estilo de arquitetura revivalista originado em meados do século XVIII na Inglaterra. No século XIX, estilos neogóticos progressivamente mais sérios e instruídos procuraram reavivar as formas góticas medievais, em contraste com os estilos clássicos dominantes na época.O movimento de revivalismo gótico teve uma influência significativa na Europa e nas Américas, e talvez tenha sido construída mais arquitetura gótica revivalista nos séculos XIX e XX do que durante o movimento gótico original.
4. Museu Ozildo Albano.
O prédio onde funciona o museu Ozildo Albano, localizado na Praça Josino Ferreira, S/N, foi tombado como patrimônio histórico em 1999. Foi construído em 1932 e reformado para sediar o museu, contudo foi conservado o estilo neo-clássico6. A edificação foi sede do grupo escolar Coelho Rodrigues onde estudaram varias gerações de picoenses.
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DE PICOS.
1. Apostolado da oração.
É um grupo de religiosos criado na igrejinha do sagrado coração de Jesus em 1897 com a finalidade de se encontrarem mensalmente para meditação e oração. O grupo continua em atividade a mais de um século.
2.Danças folclóricas.
- Reizado, São Gonçalo, Cavalo piancó, Dança do Congo, Passeata e queima do judas, as quadrilhas de São João.
3.Festas tradicionais:
Reveillon,Santos Reis,Carnaval,Quadrilhas mês de junho,Festa da Padroeira dia 15 de agosto,Natal  24 e 25.

4. Feira livre.
A feira livre de picos é um dos aspectos mais significativos da cultura popular de Picos, pois, simboliza toda a vocação comercial dos habitantes. No inicio da povoação picos era um local de entroncamento dos caminhos por onde passavam as boiadas, com a chegada dos transportes motorizados esses se transformaram em o principal entroncamento  rodoviário do estado do Piauí.Esse fato permite a presença na cidade de muitas pessoas praticando atividades comerciais.Assim surgia em 1845 às primeiras feiras livres, principais fontes de renda e ainda hoje a maior arrecadação de impostos do município. A feira também funciona como integração entre os picoenses e moradores de cidades vizinhas e de várias partes do Brasil.
_________________________________________________________________________ 6. A Arquitetura neoclássica foi produto da reação antibarroco e anti-rococó, levada a cabo pelos novos artistas-intelectuais do século XVIII. Os Arquitetos formados no clima cultural do racionalismo iluminista e educados no entusiasmo crescente pela Civilização Clássica, cada vez mais conhecida e estudada devido aos progressos da Arqueologia e da História

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5. Rádio Difusora de Picos.

Localizado na Rua Joaquim Baldoíno, n°41,através de uma iniciativa pioneira na região de Picos no final dos anos 50, o então recém formado advogado e já prefeito de Picos, Helvídio Nunes de Barros já tinha o sonho de integrar a região, sonho maturado à época de governador e finalmente, realizado quando senador da República. Assim, surgiu a Rádio
Difusora de Picos, informando, oferecendo lazer através da música, promovendo e integrando toda a Região.Depois de vencida a parte burocrática no Ministério das Telecomunicações, licitação, concorrência, compra de equipamentos, instalação, formação do grupo humano para operação e administração da Emissora, a Rádio Difusora de Picos estava oficialmente no ar a 29 de julho de 1979, exatamente às 08:43 minutos, da manhã de um domingo, à rádio Difusora, que é conhecida por ser uma escola de rádio. Nomes importantes da comunicação de Picos passaram pela Rádio Difusora.

6. Academia de letras da região de Picos.
Fundada em 22 de abril de 1989 tendo como presidente a professora Rosa de Araújo luz, a academia é a principal referencia no campo da cultural na região de picos. Tem como objetivos principais: desenvolver a cultura da região, despertar o interesse da comunidade pela literatura sobremodo a piauienses e divulgar os autores da região.

Diversas atividades culturais já foram desenvolvidas pela ALERP entre elas: I Concurso de Poesia da Microrregião de Picos, Semana Cultural em homenagem ao centenário de Picos e o Seminário de Literatura Piauiense, que acontece anualmente. A ALErp conta com quarenta cadeiras destinadas aos intelectuais de Picos e da região. A entidade é dirigida por uma diretoria composta de presidente, vice-presidente, primeiro secretario, segundo secretario, primeiro tesoureiro e segundo tesoureiro.





Conclusão:
Verifica-se que na cidade de Picos as edificações localizadas no centro da cidade são as mais antigas e marco inicial da ocupação urbana, algumas datam da gênese da cidade, no entanto essas construções foram descaracterizadas por sucessivas reformas para instalações comerciais. Neste sentido, é importante destacar que o uso comercial mostra-se mais deletério à preservação do patrimônio edificado. Outro fato que chama a atenção é o não reconhecimento do patrimônio cultural como locais fundamentais para preservação da memória. Não há uma associação desses locais a fatos históricos, o que leva a uma identificação pelo antigo e não pelo histórico. O patrimônio cultural imaterial também é sufocado em detrimento de metaculturas de marionetes7 que são cooptadas em nome da modernidade.
Vale ressaltar que esse trabalho é um pequeno inventário do patrimônio cultural picoense. A dimensão reduzida é em função do espaço e do caráter do trabalho  que traz como  maior contribuição os caminhos metodológicos  aqui apontados  como parâmetros para futuras pesquisas sobre a memória e a cidade de Picos.  












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7. Músicas estrangeiras; bailes funk; forró eletrônico; Maneiras de se vestir de acordo com as tendências da moda internacional, televisão e cinema; mudança nos hábitos alimentares, sobretudo os fast food, etc





                                                           BIBLIOGRAFIA:



CASTRO, Ana Paula Cantelli;FONSECA,Rodrigues Gerolineto. Acervos históricos:       experiências no levantamento de acervos documentais na região de Picos -     Pi.                – Imperatriz-MA: Ética,2008.

DUARTE, Renato. Picos: os verdes anos cinqüenta. 2.ed.Recife: Graf.Ed. Nordeste,1995.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e Senzala. 51ª ed. São Paulo: Global Editora,2008.

GERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. 16ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2003.

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural. 3ª ed. Petrópolis: Vozes,1987

Fontes virtuais:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Patrim%C3%B3nio_cultural

http://pt. wikipedia/Neogótico.htm

http://pt. wikipedia/Rococó.htm

http://pt. wikipedia/Maneirismo.htm









      

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