terça-feira, 19 de abril de 2011

PRODUÇÃO HISTRIOGRÁFICA SOBRE EDUCAÇÃO NO SÉCULO XX:

 Abordagens para a escrita de uma História da Educação no Piauí.[1]

                                                                           Antônia Cláudia de Carvalho Rocha[2]
                                                                                          claudiaaccr@hotmail.com


RESUMO: Este trabalho trata-se de um levantamento da produção historiográfica sobre o tema educação no decorrer do século XX no Brasil, tem como objetivo principal apontar algumas abordagens construídas sobre o referido tema no estado do Piauí. O estudo foi feito a partir de uma pesquisa bibliográfica, procurando contextualizar o processo de escrita de autores piauienses com algumas discussões existentes na historiografia educacional brasileira ressaltando suas obras e respectivas temáticas para entendermos a relação que eles estabelecem entre História e Educação.  

PALAVRAS – CHAVE: História, Educação, Piauí.


                A discussão em torno da produção historiográfica sobre educação no Brasil, pressupõe diversas abordagens dentre as quais Maria M. C. de Carvalho no estudo sobre a configuração educacional brasileira aponta a obra A cultura brasileira de Fernando de Azevedo como uma leitura interessante que deve ser feita “atentando para as estratégias textuais do autor visando a compatibilizar o atendimento à encomenda e a autonomia do seu trabalho intelectual” (CARVALHO, 2005, p.334). Ao analisar a A cultura brasileira, a referida autora nos informa que esta obra “constrói dois domínios apartados de investigação: o das idéias e projetos pedagógicos e o da história dos sistemas de ensino” (CARVALHO, 2005, p.343). Partindo desse debate, Carvalho destaca a referida obra como norteadora da pesquisa em História da Educação e que se constitui:
 [...]como um modo de narrar que se propõe como                           regra de narração para outros textos, prescrevendo não somente as regras de configuração do objeto pelo seu enquadramento em uma das séries referidas como também o modo de relacioná-las no espaço narrativo das explicações sobre o seu descompasso. Falando do lugar de produção das políticas que pedagógica e juridicamente instituem o sistema de ensino -o Estado -, a voz do narrador de A cultura brasileira pode ser ouvida, ainda hoje, nas seleções de períodos e de temas de estudo, nos padrões descritivos e explicativos e nas periodizações que configuram o objeto da investigação e o modo de narrá-lo. É no mínimo intrigante a correspondência entre esse padrão que se institui modelarmente na narrativa de Azevedo e o que se institui na produção historiográfica sobre educação. (CARVALHO, 2005, P.343)                                                                 
Porém há outras abordagens sobre o processo de escrita da História da Educação no Brasil, como a idéia de progresso educacional no século XX, defendida por Frederick Eby (1976, p.608) que atesta para o reconhecimento de poder da educação, que de um lado, levou os governos autocráticos a empregar a escola para perpetuar o controle totalitário das massas, mas por outro, conduziu ao esclarecimento dos votantes com relação a seus direitos e a como governar com inteligência.
Além disso, podemos destacar também a procura de Autenticidade idéia proposta por José Antônio Tobias que acredita nessa busca de autenticidade da Educação brasileira a partir dos ideais da Semana de Arte Moderna de 1922 “com seu profundo sentimento de inovação, com seu nítido sentido de originalidade com sua resoluta vontade de criar um Brasil novo e bem brasileiro”. Acredita ainda que este evento tinha propiciado a “explosão de progresso e do ensino brasileiros, e sobretudo, no nascimento da sede e da procura de autenticidade, característica fundamental e fundadora de um novo período da educação brasileira (TOBIAS, 1986, p..310-111)Segundo Tobias, essa procura de autenticidade seria importante porque a partir de então:
                                                                                                                                                                                 [...] é que a educação brasileira entrou no caminho certo; no caminho de si mesma, tratando agora da coisa real que apesar de muito atrasada a talvez feia, é realidade; não mais estará lidando com fantasmas, com doces sonhos platônicos, com máscaras pintadas. Ouve-se o toque final para a longa a deletéria noite de macaqueação da educação brasileira. (TOBIAS, 1986, p.311)
                                                                                              

As questões apresentadas não podem ser vistas como enquadramento dos autores em uma ou em outra questão, mais podem nortear alguns autores no momento de escrita de seus textos. Diante da delimitação do presente trabalho, destacaremos dentre outros autores piauienses, Alcebíades Costa Filho, Maria do Amparo Borges Ferro e Maria Auveni Barros Vieira, ambos trabalham com o tema educação no estado do Piauí, porém direcionam suas pesquisas sob diferentes pontos de vista que ora se aproximam, ora se distanciam, devido aos diferentes elementos que compõem seus estudos.
Em relação à obra de Alcebíades Costa Filho, A escola do sertão: ensino e sociedade no Piauí, 1850-1889, percebemos que o seu foco é estudar a educação no Piauí na época do Império para isso o autor analisa além da organização social, as formas de ensino do período colonial e aponta para o ensino desenvolvido no Império como um reflexo da educação imposta pelos portugueses desde o início da Colonização.

[...] pode-se afirmar que a questão do ensino no Brasil está relacionada ao processo de povoamento colonial do território, quando teve inicio o repovoamento da área de conformidade com o modelo de colonização portuguesa. Esse aspecto é de grande importância na história da educação; primeiro porque os colonizadores transplantaram para a região as instituições, sistemas e instrumentos sociais dentre as quais se achava o sistema de ensino. Segundo porque o comportamento do colono, em relação a esses elementos normatizadores da sociedade em formação, resultou em novas formas educacionais adaptáveis aos interesses dos diferentes grupos sociais que se constituíram na área a partir de então. (FILHO, 2006, p.73-74)

No entanto, conforme o pensamento de Filho (2006) havia uma ineficiência da ação da Metrópole na questão do ensino que não estava limitado à ação oficial onde alguns grupos buscavam alternativas para o ensino. O referido autor nos mostra que no Piauí imperial, embora precárias e inconstantes, existiam escolas instaladas pelo governo, porém diante da descontinuidade em seu funcionamento, a estrutura oficial de ensino teve reduzido alcance social, entre as razões que determinaram esse resultado encontram-se as distâncias entre escolas, localizadas nas cidades e vilas, e a maioria da população localizada nas fazendas; bem como a inadequação da estrutura do sistema de ensino em relação à estrutura socioeconômica do Piauí o que propiciou formas alternativas de ensino que funcionavam no espaço privado.
Sendo assim, Alcebíades Costa Filho (2006, p.89) percebe ao longo do seu estudo que “na gênese do sistema de ensino piauiense, encontram-se as formas alternativas de ensino particular e o sistema de ensino de natureza oficial. Este teve ação reduzida se comparada com as formas alternativas”. Evidenciando, dessa maneira, que as formas alternativas de ensino tiveram maior parcela de responsabilidade na difusão do ensino do que o sistema oficial.
                Sobre o trabalho a autora Maria do Amparo Borges Ferro, Educação e Sociedade no Piauí Republicano encontramos uma proposta de estudo voltada para o contexto dos primeiros anos do regime republicano. Porém para chegar a esse contexto a autora apresenta um panorama sócio-educacional da Colônia e do Império, considerando as permanências e rupturas na organização das formas de ensino, principalmente na transição do Império para a Republica, e afirma:

No Piauí a mudança do regime político de Império para Republica aconteceu sem preparação e foi feita de forma apressada e improvisada [...] pelo distanciamento geográfico e com as dificuldades de comunicação da época, ao que tudo indica, aconteceu semelhante o que ocorreu na capital do país, em que, após a proclamação, o povo saiu às ruas, aparentemente sem entender bem o que tinha acontecido, nem como e sem prever quais os desdobramentos que daí adviriam. (FERRO, 1996, p.79)

Analisando a afirmação mencionada pela autora em debate, entendemos que a mudança de regime político no Piauí, não alterou muito o conteúdo social, segundo Ferro “a Primeira Republica a nível nacional teve a educação caracterizada por reformas, no Piauí também elas se apresentam de forma consecutiva e desconexa” (FERRO 1996, p.87) Com isso, vemos alguns entraves à execução dessas reformas no âmbito educacional como: a influência do poder político sobre a instrução pública e o problema da desvalorização salarial do magistério. Mesmo assim, mediante leis que conduziram as tais reformas, foi possível a construção de prédios para funcionarem escolas estaduais, pois a falta de acomodação para o funcionamento das escolas era um outro problema a afligia a sociedade daquele período.
Dessa forma, constatam-se escolas construídas em Teresina, Picos, Campo Maior, Piripiri, Amarante, Miguel Alves, Barras, Porto Alegre, Piracuruca, Pedro II, Parnaíba, Oeiras, Bom Jesus, Castelo, São Raimundo e Palmeiras. Além da criação da Escola Normal que era apontada como a grande solução para o problema educativo, através da formação de mão-de-obra especializada. A autora acredita ser tal apontamento  “reflexo da ideologia reinante do otimismo pedagógico e do entusiasmo pela educação” (FERRO, 1996, p.104.105). Contudo, apesar de algumas escolas construídas nesse período não terem funcionamento continuo é durante a Primeira Republica que Ferro credita à expansão do ensino primário e a instalação de modo irreversível do ensino secundário concluído que:

[...] é possível afirmar que o período da Primeira Republica, apesar doa avanços e retrocessos e das dificuldades enfrentadas, pode ser considerado como época em que
o ensino formal no Piauí se consolidou de forma definitiva, tanto no setor público,
como na rede particular.[...](FERRO,1996, p.124)

Em se tratando do estudo da autora Maria Auveni Barros Vieira denominado Educação e sociedade picoense: 1850 a 1930, encontramos uma recomposição da trajetória educacional de Picos, desde sua emancipação política e administrativa na década de 1850 até o final da Primeira Republica em 1930. Composta de 4 capítulos, a referida obra traz no capítulo I “Noticias histórias sobre a educação e sociedade picoense” onde a autora discute a origem da cidade de Picos, apontando versões sobre quais fazendas teriam dado origem à cidade, afirmando:

Independente do seu curral de origem é possível afirmar que surgimento da povoação de Picos não foi diferente do surgimento de outras povoações piauienses; ou seja, uma comunidade organizada a partir do criatório de gado inicialmente como uma fazenda plantada as margens do rio Guaribas pelo colonizador português, que chegava ao sertão do Nordeste brasileiro, em terras distantes do litoral, onde o poder não estava concentrado nas mãos dos senhores de engenho, mas nas dos senhores criadores de gado.   (VIEIRA, 2005, p.26)


Além de tratar sobre o surgimento do povoamento de Picos, no primeiro capítulo ainda é relatada notícias a respeito da educação formal de Picos. Já no segundo capítulo, a pesquisadora faz um apanhado da evolução político-administrativo de Picos, destacando o crescimento da povoação desde o estatus de Freguesia, passando por Vila até a criação do município em1890 (VIEIRA, 2005, p.31-34). Ela discute também algumas questões sobre o exercício do magistério masculino e feminino em Picos.
                No terceiro capítulo, é possível observar à descrição de uma rotina, que de acordo com a autora é peculiar as pequenas aglomerações do Sertão do Nordeste brasileiro, onde também se encontrava o município de Picos. Essa rotina está voltada para a agricultura  e atividades domésticas ,o que aliado a precariedade  e escassez de escolas na região registrava uma baixa freqüência de alunos .Diante da situação a atuação do mestre-escola era uma prática adequada a rotina de trabalho das famílias.(VIEIRA,2005,p.76) 
 Ao final do quarto capitulo, Vieira discorre sobre a criação de escolas primárias particulares em Picos, destacando a questão do espaço improvisado até mesmo pra o funcionamento do primeiro grupo escolar denominado Coelho Rodrigues, que só teve sua sede inaugurada em 1933. Nesse contexto a autora conclui:
                                                                                                   
Essas informações acerca da Educação picoense em períodos posteriores, porém próximos, a fase da primeira república, levam a crer que as deficiências existentes na Educação do município apontadas no decorrer do trabalho ainda iriam permanecer durante um período extenso como uma das marcas negativas dos índices sociais não só de Picos, mas do Piauí e do Brasil. (VIEIRA, 2005, p.93)

Portanto, considerando as abordagens sobre educação no século XX, discutidas inicialmente e relacionando-as construídas sobre a História da Educação no Piauí, debatidas nesse trabalho, podemos inferir que estes autores construíram suas pesquisas com um ponto comum, pois mesmo trabalhando com recortes temporais diferentes, no caso do Alcebíades C. Filho (império) e da Maria do Amparo B. Ferro (república)ou espaços diferentes,pois Maria Auveni B. Vieira estuda a sociedade picoense , enquanto os demais autores citados estudam o Piauí como um todo, ambos construíram suas pesquisas voltadas para  a história dos sistemas de ensino sejam eles de natureza oficial/públicos ou privados .
                Na busca de reconstruir a realidade da educação nos respectivos espaços e recortes temporais, podemos afirmar o caráter de autenticidade dado pela escolha do objeto de pesquisa desses autores. Quanto a idéia de progresso educacional no século XX, se levarmos em consideração que os pesquisadores piauienses estudam a história dos sistemas de ensino aliada impasses de ordem política, principalmente, cabe nos questionar até onde devemos considerar a idéia de progresso educacional, pois seria a criação desses sistemas de ensino melhorias para a população e estaria desprovida de interesses políticos ou seria manobras para adequar a população aos interesses das elites políticas?

                 
 Referencias bibliográficas

EBY, Frederick. História da Educação Moderna: teoria, organização e práticas educacionais; Tradução de Maria AngelaVinagre de Almeida, Nelly Aleotti Maia, Malvina Cohen Zaide.2.ed.Porto Alegre , Globo, Brasília,INL,1976.

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A configuração educacional brasileira. IN:
FREITAS, Marcos César. Historiografia brasileira em perspectiva (org.)-6. ed.São Paulo :Contexto , 2005.

FERRO, Maria do Amparo Borges. Educação e Sociedade no Piauí Republicano. Teresina, 1996.

FILHO, Alcebíades Costa. A Escola do Sertão: Ensino e Sociedade no Piauí,1850-1889.  Teresina, Fundação Monsenhor Chaves,2006.

TOBIAS, José Antônio. História da Educação Brasileira. 3. ed.SãoPaulo:Ibrasa,1986.

VIEIRA, Maria Aveni Barros. Educação e Sociedade Picoense: 1850 a 1930.Teresina:EDUFPI,2005





[1] Artigo apresentado a disciplina “tópicos de Historia do Piaui”, ministrada pela profª Ms. Nilsangena Cardoso lima, como requisito obrigatório para a obtenção da terceira nota da disciplina cursada no período 2010.2
[2] Aluna do 8º Bloco do Curso de História, da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.

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